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Sávio Ximenes Hackradt

31.1.13


A saga dos artistas nordestinos


Carlos Roberto de Miranda Gomes, escritor-veranista

No limiar do meu veraneio em Cotovelo, terminei a leitura do elucidativo livro "O Fole Roncou", de autoria dos jornalistas Carlos Marcelo e Rosualdo Rodrigues, Ed. ZAHAR do Rio de \janeiro, 2012.

Até então tinha noção da trajetória individual de alguns artistas nordestinos, os mais famosos, a partir do Rei do Baião, LUIZ GONZAGA, cujo centenário de nascimento foi comemorado no ano que findou, mas ignorava a verdadeira saga de muitos deles, em especial, da verdadeira corrente de solidariedade que possibilitou, após sacrifícios e sofrimentos, a divulgação para o eixo Rio-São Paulo, o valor e a fibra do nordestino, que justifica o adágio: "o nordestino, antes de tudo, é um forte".

A obra começa narrando a viagem de Câmara Cascudo às entranhas do Rio Grande do Norte, percorrendo 1.370 quilômetros de estrada de ferro, e outros tantos usando transportes os mais diversificados, desde o automóvel, canoa, rebocador até hidro-avião, para constatar que o sertão se esvaía. Tinha então 41 anos e lá se iam os idos de 1934.


Anotou a construção de açudes, o sofrer do homem rural, a insegurança ainda remanescente do "cangaceirismo", enfim, os seus dramas, seus anseios e potencialidades, que foram divididas em dezessete crônicas publicas em A República e depois condensadas no livro "Viajando o sertão".

Dentre os temas desenvolvidos não esquece o estudo de suas danças de antigamente e as estórias transmitidas pelos cantadores e as transformações de costumes ditadas pelo progresso.

Partido dessas constatações começa a história de um novo tempo, entre os períodos de 1920 a 1930 com Seu Januário nos forrós das cidades pernambucanas, então acompanhado pelo jovem Luiz Gonzaga, que aprendeu essa habilidade, passando a ser sanfoneiro afamado, eis que confundido com os cabras de \lampião, pois usava vestimentas semelhantes.

Na verdade, suas vestes tinham a intenção de evidenciar as tradições do sertanejo e homenagear sua bravura, o foi sendo assimilado até ganhar o título de "Rei do Baião".

Em 1950 já era nome respeitado e a disseminação do xaxado e depois o baião, gênero musical que surgiu no Brasil, nas composições de Gonzaga e dos seus grandes parceiros Humberto Teixeira (advogado) e Zé Dantas (médico).

O nordeste estava sendo "sanfonizado", criando escola para dezenas de outros grandes instrumentistas, sem desprezar o velho fole de oito baixos: "Luiz respeita Januário"!

Os primeiros ensaios de sucesso foram surgindo: Penerô Xerém, Cortando Pano, Xamego, Dezessete e setecentos, culminando com as antologias No meu pé de serra, juazeiro, Baião, Qui nem jiló, Assum preto, Baião de dois e Mangaratiba, até o apogeu da monumental Asa Branca.

Vencendo a resistência dos paulistas e cariocas, o consagrado Gonzaga passa a recepcionar outros artistas imigrantes, dando-lhes abrigo de teto, comida e colocação nas emissoras e gravadoras. Nessa levam contabilizam-se Marinês (Rainha do xaxado), Abdias e Cacau, a chamada Patrulha de Choque de Luiz Gonzaga, que veio a criar fama com "Marinês e sua Gente". Seguem-se Zito Borborema e Miudinho.

Paralelamente chega ao Rio o jovem José Gomes Filho (Jackson do Pandeiro) que, vencedor em sua carreira adota o mesmo propósito de Gonzaga, dando guarida aos novos conterrâneos Almira Castilho, Zé Calixto, Antonio Barros, Genival Lacerda, João do Vale, o compositor Onildo Almeida e tantos outros.

O livro é meticuloso e esclarecedor, mostrando os problemas emergentes de cada década, com a incrível transformação de costumes, de ritmos e de instrumentos, o forrock, forró universitário, gênero sertanejo,  numa mistura que, no entanto, não destruiu o tradicional, haja vista o surgimento de novos sanfoneiros e cantores nordestinos, com destaque para Dominguinhos e Anastácia, Alceu Valença, Elba e Zé Ramalho. Desse tempo temos ainda Fagner, Quinteto Violado, Sivuca, Amelinha, Morais Moreira, Waldick Soriano.

As mudanças e os amantes de outros gêneros não ofuscaram o xaxado e o baião, pois houve compreensão e apoio da jovem guarda - Roberto Carlos, Erasmo, Wanderléia, os tropicalistas Caetano, Gal, Gil e Betânia.

Surgem os programas específicos de apresentadores de Televisão ou criadores de programas ao vivo, como "O forró de Zé Lagoa", de Rosil Cavalcanti, Aberlardo Barbosa (Chacrinha), Chico Anysio e outros mais, que deu emprego a muitos imigrantes.

A solidariedade sempre esteve presente entre os nordestinos, mas ganhou espaço entre artistas de outros gêneros, como Antonio Carlos Jobim: Se eu fosse editor, ia buscar no Nordeste: as coisas mais geniais do mundo estão lá., Vinicius de Morais, Angela Maria, do apresentador.

O Rio Grande do Norte esteve presente nessa corrente através dos meninos do Trio Irakitan (Edinho, João e Gilvan), Elino Julião, Trio Mossoró (Oséas, Hermelinda e João Batista), e até de um médico-compositor potiguar Janduhy Finizola, que consagrou a "Missa do Vaqueiro", em homenagem a Raimundo Jacó, primo de Gonzaga, pelo menos.

Muitos empecilhos à normalidade dos nordestinos aconteceram com os festivais da Televisão, mas outros tantos também vieram em alento, como o Projeto Pixinguinha e outros semelhantes.

Hoje vivemos a moda das casas de show, onde o forró se faz presente, fora dos discos, mas criando o interesse de divertimento e com isso garantindo a sobrevivência, dando ensejo às bandas Mastruz com Leite, Calcinha Preta, Aviões do Forró, Cavaleiros do Forró, Garota Safada, etc.

Prolifera a "apelações", com letras de duplo sentido,

Mesmo diante de sucessivas crises, certamente a música nordestina nunca será esquecida, mercê dos velhos artistas que ainda estão na estrada e novos nomes, como Oswaldinho, Waldonys. Chico Cesar, Jorge de Altinho, Dorgival Dantas, Genário e outros mais.

Sei que esqueci muitos outros nomes. Perdoem, mas o importante é ler o livro!

O fole nunca mais deixou de roncar!

"Porque o que se leva dessa vida, coração, é o amor que a gente tem pra dar."
(Antonio Barros e Cecéu, consagração na voz de Marinês)

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