CALANGOTANGO não é um blog do mundo virtual. Não é uma opinião, uma personalidade ou uma pessoa. É a diversidade de idéias e mãos que se juntam para fazer cidadania com seriedade e alegria.

Sávio Ximenes Hackradt

11.11.11

Por Pedro Simões*
Aprendi, nos velhos compêndios de Direito, que compete ao Poder Judiciário decidir os conflitos de interesses entre os indivíduos e conciliar, até o limite do razoável, os conflitos entre os interesses individuais e os gerais, de ordem pública. A expressão"razoável" é cheia de intenções. Ela não indica apenas o caráter de ponderação da decisão judicial, mas o nível de racionalidade e espírito público que devem nortear o julgador. Afinal, os juizes também foram formados nas mesmas instituições de ensino jurídico que nós, os operadores de direito, aprenderam como nós, nos mesmos compêndios e assimilaram os mesmos fundamentos da ordem jurídica.
E é pedra de toque dos fundamentos principiológicos do Direito, que o interesse geral submete o interesse individual.
Onde exista conflito entre os interesses individuais e os interesses gerais da sociedade, como já disse, o julgador buscará a conciliação até onde puder e, na hipótese de intransigência, deverá submeter o individual ao geral. Porque, mesmo que os sistemas políticos liberais privilegiem o individualismo, não se concebe que um único indivíduo submeta a todos, em confronto com os interesses da coletividade.
As digressões vem em socorro da "Lei da Ficha Limpa", cujo curso foi refreado pela mais alta corte de justiça do país – logo ela, uma medida legislativa que transcende o interesse individual, caracterizando-se como imperativo ético-social, de interesse nacional.
Nós, os operadores do direito, muitas vezes nos perdemos em filigranas e leguleios, espécie de exercício dialético auto-digestivo e prazeroso, sempre que o tema tratado se mostre de relativa complexidade. É uma postura saudável quando buscamos a chamada "verdade jurídica" - uma posição em acordo com a lei, a doutrina, o interesse social e a ordem pública. Ocorre que, às vezes, porque somos humanos, procuramos primeiro ajustar essa posição aos nossos valores, e, pior, muitas vezes conduzimos essa busca para uma convergência com os nossos interesses políticos.
A lei e a doutrina são veículos de muita fluidez. Não são instrumentos de ciências exatas, daí que o imperativo em situações dessa natureza deve ser sempre o interesse maior, de ordem pública.
Deve preocupar também a sociedade, além da "judicialização" do Poder Legislativo, a tendência quase já confirmada como hábito, do quarto poder - a imprensa – de converter-se em poder judicante, desta feita constituindo-se em tribunal de exceção, que aprecia, julga e condena inapelavelmente "supostos" incriminados, sem direito de defesa. Já se disse até que certa imprensa partidarizada age como verdadeiro grupo de linchamento, de tal modo orientam e alimentam a opinião pública contra aquele que, segundo a nossa ordem jurídica tem presunção de inocência e só poderá ser considerado culpado depois do devido processo legal.
Será que devemos instituir um Quinto Poder - o popular, as instâncias da sociedade civil para coibir certas "exceções" dos dois outros poderes, o judiciário e a imprensa?
O receio é que nos tornemos também poderes de exceção como ocorreu na Revolução Francesa. A quem recorrer como instância suprema, afora Deus? Quem vai fiscalizar os fiscais?

*Pedro Simões é professor aposentado da UFRN, onde foi pró-reitor, ex-secretário de Estado de Segurança Pública, membro da Academia Ceará-minirense de Letras e Artes, escritor, autor de vários livros.

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